Sustentabilidade
“Lixo
da indústria de alimentos” pode virar energia limpa
Por: José
Maria Filho – Jornalista MTb 19.852
Foto:
Reprodução
Pesquisadores
do Cempeqc/Unesp desenvolvem metodologia para produzir hidrogênio a partir de
águas residuárias do beneficiamento da laranja
Pesquisadores
da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara (SP) estudam a
viabilidade de usar a água residuária da indústria de suco de laranja para
produzir hidrogênio – uma fonte de energia renovável, inesgotável e não
poluente.
A pesquisa,
apoiada pela FAPESP, está em andamento no Centro de Monitoramento e Pesquisa da
Qualidade de Combustíveis, Biocombustíveis, Petróleo e Derivados (Cempeqc) do
Instituto de Química da Unesp.
“A vantagem
de produzir hidrogênio a partir de águas residuárias é aproveitar, de maneira
sustentável, uma fonte de carbono que hoje está sendo descartada”, argumentou
Sandra Imaculada Maintinguer, pesquisadora do Cempeqc.
De acordo com
a pesquisadora, a proposta é reaproveitar a energia gerada localmente, na
própria indústria, para abastecer as bombas dos sistemas de tratamento
biológico, por exemplo.
“O método
poderia beneficiar não apenas o setor citrícola, como o sucroalcoleiro,
indústrias de refrigerantes, cervejas e de outros alimentos”, afirmou
Maintinguer.
O hidrogênio,
explicou a pesquisadora, é quase três vezes mais energético que os
hidrocarbonetos e que o metano e quatro vezes mais que o etanol. No entanto, em
razão do custo ainda elevado de armazenamento e transporte, seria inviável usar
o gás, por exemplo, para substituir a energia hidrelétrica – ainda muito barata
no Brasil.
O grupo de
pesquisadores do Cempeqc está estudando três diferentes resíduos do
beneficiamento da laranja cedidos por uma empresa situada em Matão (SP): o
melaço, a vinhaça e a água residuária.
Embora o
melaço e a vinhaça apresentem concentrações mais elevadas de açúcares (40 a 150
g glicose/L), testes preliminares sugerem que a água residuária (12g glicose/L)
é a mais indicada para a produção biológica de hidrogênio.
“Quando a
concentração de substrato é muito elevada, pode ocorrer a inibição do
crescimento dos microrganismos que quebram os açúcares em moléculas menores,
como ácidos orgânicos e hidrogênio. Existe uma faixa ideal, que parece ser a da
água residuária”, disse Maintinguer.
Além da
glicose, os pesquisadores também encontraram outras fontes de carbono na água
residuária, como frutose e ácidos orgânicos, além de impurezas como óleos e
detergentes usados no processo industrial.
“Fizemos os
testes usando a água residuária com todas as impurezas e, mesmo assim, os
resultados foram muito promissores. Conseguimos transformar cerca de 65% desse
resíduo em hidrogênio. Como os microrganismos usam os nutrientes para crescer e
se multiplicar em primeiro lugar, a produção nunca chega a 100%”, explicou a
pesquisadora.
Arqueas
metanogênicas
Os ensaios,
em escala de bancada, foram feitos em reatores anaeróbios (frascos de vidro
hermeticamente fechados), para evitar que o contato com o oxigênio inibisse a
produção da enzima hidrogenase, extremamente importante na produção biológica
de hidrogênio.
Na água
residuária foi inoculado um conjunto de microrganismos de diferentes classes
coletado em sistemas de tratamento biológico de esgotos sanitários. De acordo
com a pesquisadora, o inóculo também pode ser obtido a partir do próprio lodo
formado nos sistemas biológicos de tratamento industrial.
Porém, é
necessário um pré-tratamento para eliminar as chamadas arqueas metanogênicas,
um tipo de microrganismo capaz de consumir o hidrogênio produzido para formar
metano, algo indesejável nesse caso.
“O processo
biológico anaeróbio tem várias etapas e, em cada uma delas, atua uma classe
diferente de microrganismo. Os carboidratos são quebrados em açúcares, ácidos
orgânicos, acetato, hidrogênio e, se o processo não for interrompido, em
metano”, disse a pesquisadora.
Para evitar
que isso aconteça, o inóculo é submetido a um choque térmico e o pH do meio é
reduzido para 5,5. O pré-tratamento causa a eliminação das arquéias
metanogênicas, enquanto as bactérias úteis para o processo apenas entram em
estado vegetativo, voltando a se multiplicar quando as condições se tornam
favoráveis.
“É um método
fácil e barato e só é necessário fazê-lo uma vez. Depois posso reaplicar o
inóculo em outra amostra quando acabar o substrato no reator. Por enquanto,
estamos usando apenas a configuração de reator em batelada (frascos com
quantidades limitadas onde a reação ocorre até o substrato acabar e depois é
preciso reabastecer). O próximo passo é testar em um reator de fluxo contínuo”,
disse Maintinguer.
Além do
hidrogênio, resultam do processo alguns ácidos graxos voláteis – como o ácido
butírico e o ácido acético – também passíveis de serem transformados em
hidrogênio por bactérias fotoheterotróficas.
“Elas consomem
esses ácidos na presença da luz e liberam mais hidrogênio, elevando assim o
rendimento”, explicou a pesquisadora.
Na avaliação
de Maintinguer, o Brasil tem um grande potencial para ser referência em
tecnologia do hidrogênio e é beneficiado pelo fato de ser um país tropical, com
temperaturas médias anuais em torno de 25ºC – favorável ao desenvolvimento de
bactérias.
“Em países
como Holanda e Alemanha é preciso aquecer os reatores para que o processo seja
bem sucedido”, comentou.
O Ministério
de Minas e Energia tem planos para introduzir o hidrogênio na matriz energética
do país até 2025, inclusive como combustível automotivo. Uma das metas do
governo brasileiro é que, após 2020, toda a produção do gás seja obtida a
partir de fontes renováveis.
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